segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

MELHOR UM ROÇADO DO QUE UMA MULHER FEIA



Duas décadas ja festejado
O corpo todo preparado 
Único defeito barrigudo
Nunca tinha namorado
Meu apelido era papudo
E jamais havia brigado

Porém era caba trabaiador
Dava conta de grande roçado
Cortava, arava e plantava
Mas beijos, cheiros, andar abraçado
Nessa vida infelismente
Nunca tinha degustado


Gostava de um furdunço,
Dançava muita Xarita
Tão bem como andava
Em minha roupa de chita
Era eu centésimo afilhado
Da dona finada mariquita


Por volta do meio dia
Num dia de são joão
Almocei uma buchada
E contei os meus tostão
Fiz logo monte de plano
De como seria a diversão


Arrumei-me logo as pressas
Dei um ajeitado no visuar
Passei um perfume doce
E sai pra uma festa procurar
Gastar todo meu dinheiro
Se inxerir pra namorar


Sai caladinho e de fininho
E a ninguém pude contar
Aquele povo da cachoeira
Podia me bota azar
E do jeito que conheço
De mim eles iam mangar


Quem sabe até me seguir
Só pra mim ver no caçuar
Bexiguento da gota serena
De mim vocês deixe de zombar
Vão arranjar uma limpa de mato
E deixe os outros de caboetar

.
Os que encontrei no caminho
Que logo lhe fui falar
me disseram bem certinho
não precisa outra procurar
Vá reto e sem fazer curva
E a tal baixada vai achar.


Não pensei duas vezes
Tomei rumo e direção
Pus os pés no caminho
A procura do forrozão.
Que desde menino ouvia
Que é a melhor da região.


Sai cedo da cachoeira
E fui mesmo sozinho
Por entre estradas e varedas
Mas todo animadim,
Não sabia o que me esperava
E que teria destino tão ruim.


O inverno tinha sido bom
E dez micova de algodão
Eu havia cuidado sozim,
Vendi tudo a seu Antão
Apurando bom trocado
Uma grande animação


Com os mirreis que apurei
Comprei roupas de montão
Uma espingarda de ferrolho,
Quatro porcas e um barrão
Duas cabras amojadas,
Calças, sapato e cinturão


Um burro com cambite
Como manda a situação
Um par novo de caçuar
Uns barrie e um surrão
Cangaia, espora e rabichola
E também um par de bridão


Depois de tudo que comprei
Guardei o resto pra farrear,
Desenfadar os espinhaços
Sonhando em namorar.
Arranjar uma linda caboca
E quem sabe inté casar.


Já na quebrada da tarde
Já tinha andado duas léguas
E a danada da baixada
Ainda era pro traz das serras.
Quando logo me assustei
Com o esbarrar de uma égua.


Avistei de longe uma casa
que tava fora do caminho,
Como a sede tava grande
fui como pássaro ao ninho
cantando e assoviando
e me livrando dos espinhos


Os cachorros latiram ao longe
E na casa eu encostei
quando chamei na porta
Quase me assustei
Era tanta gente na casa
Pensei, na festa já cheguei.


Amigo veja o que me aconteceu
Esse fato que se passou
Sou homi honesto
Simples e trabalhador,
Mas o que vou lhe contar
Foi o meu maior pavor


Nacisdo na Cachoeira do Sapo
Lá nas brenhas do sertão
Criado com leite de cabra
Sou homi de disposição
Mato cascável de tapa
Mas que tremie na ocasião.


Quando na casa eu cheguei
Uma moça veio me atender
Com um sorriso largo no rosto
Ela foi dizendo, demorou por quê?
Amor, todos tão te esperando
Eu já tava pra endoidecer.


Olhando pra criatura
Num soube nem o que dizer
Minha garganta deu um nó
E cumecei a me contorcer
A peste era tão feia
Falta palavra pra descrever.


Um só dente ela não tinha
Gorda que era só torcim
A cara parecia uma jaca
Uma coceira parecia ter mucuim
A venta só tinha berruga
E o cabelo duro e pixaim.


Para enfeitar a milacria
Vestida de noiva estava
Com buquê de umas rosas
Em cima dum saco de fava
Sorrindo quis me abraçar
Era somente o que faltava


Os presentes daquela casa
Ficaram a mim olhar
Era um cochichado
Que eu fiquei pra desmaiar
Escutei quando uma disse
Chegou na hora de casar


Os irmãos e o pai chegaram
Foram logo me cumprimentar
O Vei olhou e disse
Pensei que fosse me tapear
Preparei toda essa festa
Agora só falta o padre chegar.


Eu quis dizer umas coisas
Mas a voz se embisacou
O suor desceu do rosto
Com o tamanho do pavor
Pensei em fazer carreira
Mas as pernas tutubiou.


Me levaram pra uma latada
Com um altar todo enfeitado
Umas cadeiras atrás da outra
E uns caldeirão enfileirado
Uns pratos e uns talheres
E um povo todo arrumado


Doido sei que não sou
E cumecei logo imaginar
Isso é festa de casamento
E deve ser eu que vou casar
Ta havendo algum engano
E como isso vou explicar


Se disser que não sou o noivo
Esses cabras vão me pegar
Pelo tamanho das facas
Eles vão é me sangrar
E agora como vou fazer?
Vai ser o jeito eu me casar.


Vou é da uma de esperto
E ficar aqui bem calado
Se eles der um vacilo
Eu entro no mato fechado
Casar com esse tribufú
Só se tivesse desesperado.


Nisso chega o padre
Acompanhado do delegado
Me botaru no pé do altar
Suado que já tava molhado
As pernas tremendo todas
E no altar eu escorado


Só eu e o padre em pé
Os outros tudinho sentado
Tinha tanta gente feia
E muito caba malencarado
Quando entra a noiva
Com seu pai de braço dado.


Suspirei mais uma vez
Pra mode não desmaiar
A sina desgraçada
Pra quem saiu pra namorar
A procura de uns cheiros
E vai logo se casar.


São Jorge me abençoe
E não me deixe fracassar
Me empreste sua lança
Pra esse dragão matar
E voltar pra cachoeira
Pra aquelas terras cultivar


Me perdoe se sonhei errado
Querendo uma namorada ter
Hoje me sinto perdido
Sem saber o que fazer
Como vou amar isso?
Se nem quero cunhecer


Mas deus é pai não é padrasto
A minha angustia socorreu
Os cachorros acuaram alguém
Meu coração chega bateu
Na hora que o pai entrega o troço
Um silêncio se percebeu


Foram oiar quem chegava
Se ninguém por ali faltou
Podia ser um Zé penetra
Ou talvez um matador
Como o povo é curioso
Zarparo ver o que chegou


Eu fiquei mei curioso
Pra saber quem lá chegava
Vi de longe um moço alto
Que bem ligeiro andava
Era a peste do noivo certo
Que há tempo caminhava


Meu coração quase saiu
Com tamanha batucada
A noiva ficou surpresa
E muito desconfiada
Como agora ela explicaria
Aquela ilustre presepada


Eu olhei logo pro lado
Fingi nada entender
O noivo foi se apresentando
Sem muito compreender
O que estava se passando
Sem querer retroceder


Queria a noiva de volta
Pois pra isso ele veio
Viajou cinqüenta légua
Cortando rio no meio
Era um caba decidido
Único mal ser muito feio


Eu logo me alegrei
Contudo queu ouvia
Uma luz apareceu
As pernas agora que tremia
O Vei conversou com ele
Percebi que se entendia


Houve aqui um grande erro
E ninguém pudemos julgar
O rapaz que apareceu
Nem paremos pra escutar
Pensemos certamente ser você
Pois estávamos a esperar


Terminado o mal entendido
E as coisas voltando ao lugar
As pessoas se entre olhando
Sem nada terem para falar
Os noivos todo se ajeitando
Muito Felizes pra se casar


Sai bem desconfiado
Contente feito um canção
Nem espiei pra o lado
Pra não ver tal união
Andei reto e bem ligeiro
Que parecia um avião


A porteira eu nem abrie
Pulei feito um guaxinim
Sentei os joelhos no chão
Rezei baixo e apresadim
O brigado meu bom Deus
Por esse não ser meu fim


Beijos, cheiros e abraços
Não é pra mim tão sedutor
Namorar, noivar e se casar
Também não tem mais valor
Vou voltar par minha terra
E ser de novo agricultor


Vou plantar batata doce
Fava, milho e feijão
Maxixe, quiabo e pepino
Melância, jerimum e melão
Mandioca, gergelim e macaxeira
Café, fumo e algodão.


Xarita num danço mais
Sozinho Deus me livre andar
Posso até morrer de sede
Se estiver por ai a viajar
Mas em casa de estranho
Deus me livre lá parar


Trinta anos se passou
Todo dia vou me lembrar
Daquela coisa aruazada
Que me quisero casar
Soube que vivem bem
Ainda no mesmo lugar


E que tamanha confusão
Não se deu por indecência
Há dez anos se namoravam
Somente por correspondência
Ambos eram muito feios
Mantiveram-se com prudência


Em foto se quer se viram
Tinham medo das conseqüências
De um perde ao outro
Acabando do amor a existência
E obrigando ambos a viverem
Numa maré de penitência


Resolveram se conhecer
No dia do casamento
O pedido foi feito por carta
E o pai deu consentimento
Preparou toda a festança
Feliz por esse momento
 
 
Das oitos filha que teve
Cabruina foi a encalhada
Trinta e cinco anos na titela
Que sina mais desnaturada
Até aparecer o bravo José
Para arrematar a danada


Fico muito feliz por eles
Que Deus não faça pocriar
Porque se a coisa produzir
Muita gente vai se lascar
E se pensarem como eu
Optaram à terra cultivar


Vou morrer solteiro sei
Mas não posso reclamar
Agradeço muito a deus
Por hoje pode contar
Nesses versos essa história
Da glória de não se casar


Linosapo.
Cachoeira do sapo/RN
alinosapo@yahoo.com.br

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