quarta-feira, 16 de março de 2011

PREFIRO VOLTAR A SER AGRICULTOR DO QUE CONTINUAR SENDO DOUTOR.

Eu sou um doido apaixonado que abandonei a vida em roçado com o sonho de ser doutor.

Deixei o meu sertão entre serras e rochedo sai sem sentir medo buscando a titulação.

Hoje diplomado sinto falta do meu roçado e de cultivar aquele solo que deixei lá no sertão

Saber não me fez feliz, até que aprendi as ciências atuais e desaprendi as coisas naturais.

Tirar leite nunca mais, banho de açude que saudade, escutar a passarada já não sou um ouvidor.

Calos nas mãos não têm, pele queimada também não, roupas remendadas já ficaram par traz.

Minha cacimba se aterrou, minha cerca de aveloz morreu, meu jumento se perdeu.

Meu casebre ficou só a madeira, o barro todo caiu, algaroba lá nasceu junto com pirrichiu.

Meu landuar e meu anjol faz tempo que sumiu, meus fojos e as armadilhas de quixó o cupim já comeu.

Meus estribo e meus barris o ferrugem fez morada, junto com minha cangaia que a traça consumiu.

Meu roçado só tem jurema, a terra já não tem esplendor, e cada canto um formigueiro, cortando tudo feito um motor.

Meus diplomas não valem nada, eles até me aprisionaram, não tenho tempo pra nenhum, nem pra sentir o que sobrou.

Meu rádio das cantorias que à tardinha era sagrado, logo depois de chegar da labuta do roçado.

Agora já não o tenho mais, nem sei onde ficou, agora quando me sobra tempo fico no computador.

As confessa com Chiquinho, Luizinho e Pedrinho só no MSN, ou talvez mate a saudade vendo no Orkut fotos do postador.

Nosso oi vai por email ou telefone celular, não tem mais aquela olhada e nem o deboche espetacular.

A televisão só passa desgraças e o povo à aplaudir, nem parece com agente que sentia aflição.

Quando alguém ficava doente fazíamos quarto e rezávamos buscando a sua recuperação.

Música ninguém ouvia e suspendia a animação, hoje vendem de tudo até mesmo nossas lágrimas.

Só passa pedofilia, ladroagem de político e traficante em ação, é sujeira todo dia, não existe coisa boa não.

Para piorar a desgraça uma tal novela inventaram, as mulheres queimam o cuscuz e se desligam das obrigações.

As meninas crescem sozinhas e já sabem namorar, os meninos do mesmo jeito começam a se drogar.

Professor não se respeita, os mais velhos nunca mais, não sabem fazerem nada, nem cozinhar feijão.

Quando ficam de maior, ganha carro e um somzão, perturbam quem trabalha muito e nome da juventude.

Meu sertão morreu também, não existe mais valia, os que lá ficaram a televisão comeu, respeito e dignidade não se ver com plenitude.

Mamãe e papai me perdoem se quando um dia criança jurei seus sonhos realizar, vindo para cidade com intuito de estudar.

Chamam-me de doutor, mas pelo dinheiro que tenho, nunca serei como seu Joatão que mesmo pobre todos os respeitavam.

De menino a valentão, bêbado e até ladrão, nunca falou com um, pra que não dissessem sim senhor.

Hoje tudo tá mudado nem parece nosso antigo interior, os ônibus nem para pra eles, esquecem que nesse país foram eles que trabalharam.

Nos hospitais falta leito e se perde mais um senhor. Os filhos tão espancando e deles se livram sem pudor.

Sinto saudade da minha terra, das conversas de terreiro, das bênçãos tomadas a cada um deles, que de branco já tinha os cabelos.

Do lampião queimando a noite inteira, e das histórias de malassombro, do capiguari e do lobisomem.

Do medo ao me deitar, da madrugada ao acordar pra lenha e água e buscar bem cedo.

Daria tudo de novo, até meu título de doutor, pra ser de novo agricultor e de minha terra nunca sair.

Morar em uma casa singela sem porta ou janela, mas feliz a todo o momento, do que morar num apartamento apertado e numa viela.

Na academia só aprendi a ser ruim, li um tal de Sun Tzum, Maquiavel, Taylor, Ford e Fayol. E mesmo o filho de seu Toinho num era cabra mais ruim do que esses que disse agora.

São um povo explorador, que gosta de fazer guerra pra tomar as coisas dos outros, exploram até mesmo sua força de trabalho.

Nunca li sobre Patativa do Assaré, Onildo Barbosa, Roland bodrin, Zé da luz e nem Jêssier Quirino.

Esses que conheci menino e que muito gostei. Aprendi lá um oficio que não tem pena de ninguém.

Não se dar, mas se empresta, e se não tem com quê pagar, nos vamos lar tomar até o último vintém.

Financiamos a casa própria, o carro e a semente. Emprestamos aos microempresários e cobramos com persistência.

Meu pai me perdoe, mamãe me perdoe também, sei que me criaram com sacrifício e nada pediram a ninguém.

Deram-me amor, carinho e atenção. Cobriam-me de caráter, dignidade e benção.

Hoje sou doutor, mas não valo mais do que um agricultor que saiu do meu sertão.

Hoje sou filho do capitalismo e alimento o sistema da enganação. Sinto falta do roçado e de toda sua fartura, do jerimum ao melão.

Perdoe por não os ter enterrados lá debaixo do juremal em frente da casa, como tanto me pediram.

Por não ter estado do lado de vocês nos últimos suspiros, perdoe por ter seguido meu egoísmo.

Papai se outra vida houver só me ensine o beabá. Pra ninguém eu explorar, e nem me deixe ir estudar pensando em me formar.

Doutor não quero mais ser, podem me chamar de atrasado, mas hoje troco meus três diplomas por uma micova de roçado.

Linosapo

Cachoeira do Sapo/RN

11/03/2011

2 comentários:

  1. O sentimento que tenho, é, que eu também era feliz e não sabia.

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  2. é para os doutores do sertão fica saudade da terra natal...

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