Cumpade, cumpade, cumpade
Te escrevo com certa aflição
As coisas puraqui ta preta
Como o nome faz menção
Nossa terrinha da perigando
Anda meio tremilicando
Precisamo duma benção
A bicha deu pra tremer
Preocupando a população
Num tem hora e nem lugar
De começar o tremorzão
Já foi noticias nos jornais
Numa materiais especiais
Essa nossa situação
Dizem os entendidos do caso
Que é um fenômeno rotineiro
Vem duma falha geológica
Que tem no RN inteiro
Mai em nossa pedra preta
A coisa é mais imperfeita
Que nem fumo de brejeiro
Já ta pra riba de seiscentos
Tremores que aconteceu
Os primeiros foram os piores
Até casas comprometeu
O barulho foi muito alto
Quase morro dum infarto
Com o pipoco que deu
Foi numa quinta feira à noite
Mais ou menos vinte horas
Um dos maiores que já vi
Recordo-me como fosse agora
O balanço que se propagou
Foi tanto que a luz apagou
E eu corri descalço e sem demora
Sebastiana de ontonhe tito
Tava preparando uma buchada
Quando sentiu o tremor
Saiu numa desbanguelada
Arrancou a porta da frente
Pro meio da rua foi derrepente
Chega tava amarelada
Cumpade Severino de zé
Tava um banho tomando
Quando a água começou a falhar
As janelas todas se tocando
Nem pensou no que aconteceu
Correu nu do jeito que nasceu
E ninguém ficou olhando
Uma porca parida fez carreira
Em rumo da antiga estação
Subiu por cima do mirante
Atropelando um cidadão
Era o coitado dum prefeito
Que tentou de todo jeito
Se livrar de tal situação
Um pé de goiaba cabaço
Que tava toda infrutada
Caiu inté os últimos frutos
Que ficou desenroupada
As frutas tudinha no chão
Os galhos tremendo feito pendão
E ao redor a terra toda rachada
Chiquinha de Mané da pia
Que tava na maca pra parir
Quando escutou o estampido
Fez inficapé pra sair
Derrubando duas enfermeiras
Deixou a calçola na esteira
O minino teve que reengolir
Na delegacia foi tumultão
Sem saber o que acontecia
O sargento deu um pulo
Com preteza e maestria
Deu de garrra da escopeta
Pensou que fosse o capeta
Que a prisão invadia
O padre tava na missa
Bem na hora da comunhão
Quando ia beber o vinho
Derramou metade no chão
Manchou toda a batina
Os sapatos e inté sivirina
Com o abalo que lhe fez tremer a mão
Um pastor estava no culto
E de suas ovelhas a cuidar
Quando viu toda à igreja
Balançando pra desabar
Pensou ser o arrebatamento
Agora vai ser o momento
Que Jesus vem nos buscar
Na casa de Chico de zefa
Um defunto tavam a velar
Quando o tremor começou
O povo começa se apavorar
O defunto logo se mexeu
Inté a viúva correu
E o morto ficou a se balançar
Francisca fia de Mané de zeca
Não teve o que fazer
Quando ouviu os tremores
Pensou logo em se socorrer
Juntou-se com o namorado
O caba também tava desesperado
Com medo de solteiro morrer
Mezinho, meiota e pitú
Tavam uma latinha terminando
Quando viram a terra tremer
Ficaram os três gritando
Ou cachaça boa da gota
Eu quero é logo outra
Que o mundo inteiro ta girando
A professora lá do Gercina
Ficou pra desmaiar
As janelas todas vibravam
E as telhas a se balançar
Os alunos fizeram carreira
Ficou a professora e as carteiras
Porque as pernas não pode deixar
Teve uma tal de psicóloga
Que foi um caso especial
Tava com dona Francelina
Querendo levantar seu astral
Mas no momento do sufoco
Se mijou, chorou, rezou um pouco
E se mandou logo pra natal
A reporte da televisão
Que Laurionita tava a entrevistar
Na hora do triste aperreio
Só restou as duas a se abraçar
Caíram e saíram bolando
Gritando, chorando e esperneando.
Alguém venha nos ajudar
Cumpade a praça e as calçadas
Agora viraram dormitório
E as carrocerias de caminhão
Também é algo satisfatório
Mais a coisa já passou
Até o povo já se acostumou
Voltaram pras casas e pros escritórios
Mai cumpade, cumpade, cumpade
Bom mesmo foi pra Prear
Vendeu todas as velas que tinha
Já disse que outra comanda vai comprar
Aqui foi tanta da promessa
Ainda vão fazer outra remessa
Pra ver se os santos vão ajudar
Adispois disso na igreja
Em Toda missa ta lotada
É tanta da confissão
De gente desesperada
Antevilda foi se confessar
Disse que o filho é de Tatá
É que não sabe mais de nada
Mais não há nada ruim
Que não traga algo bom
Depois que o povo se acostumou
Em escutar do tremor o tom
Não dorme antes de ouvir
Ou mesmo de o sentir
Hoje chegar ser um dom
A meninada agradece
Nas redes a se balançarem
Quando não tem um
Não conseguem adormecerem
Passam à noite acordados
Esperando o balançado
Que os tremores favorecem
Mas o melhor foi pros casais
Na horinha do chamegar
É só se deitar na cama
E deixar ela se balançar
Você sai sem nenhum cansaço
Massageia o espinhaço
Prontinho pra trabalhar
Cumpade venha depressa
Sei que já não tem tanto vigor
Com os tremores de pedra preta
Você deixa de ser sofredor
E na velha arte do amar
Sua senhora vai gostar
E que nem eu vira um doutor
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