COMIDA DE POBRE
A rede transpassada no corredor ringia ao passar por baixo dos punhos, assim eu ouvia após o galo cantar, o sono não deixava eu me levantar até que minha mãe chamava pra ir pra escola. E assim começava meu dia, geralmente embaixo da rede uma poça de mijo, e já despertava com um carão. Lembro de minha rotina e meus sonhos, acordava as seis da manhã e tomava aquele castigo de banho com um litro d’água, que era melhor uma chinelada, comia aquele escaldado de leite com farinha ou então uma farofa de óleo com colorau e cebola, e um café de Bajé de algaroba adoçado com rapadura. O açúcar sempre acabava, ao voltar do casulo algumas vezes tinha feijão com farinha e eu comia fazendo macaco, as vezes tinha piaba ou preá assado na brasa. Mas disso eu já estava abusado, minha mãe trazia leite para eu comer com jerimum, mas eu também não queria, e me amoava, e ela usava sempre o mesmo termo; o comer dos amoados engorda os enjeitados, e dava meu comer para outro.
Eu queria outra coisa queria picado ou buchada, e quando via que não conseguia, começava a chorar até que ela vinha me adular com farinha com açúcar ou ximbel, mas minha raiva não deixava aceitar. Então eu ia pra casa dos meus amigos e lá comia batata assada ou puxa-puxa de rapadura, às vezes quando as coisas tavam boas na casa do vizinho, comia fubá de farinha de milho ou doce de Bajé de algaroba. Mas quando não tinha nada, pegava minha baladeira e ia para o mato, lá eu comia inco ou gogoia. De tarde quando tudo melhorava voltava, minha mãe fazia bejú no caco, com farofa de nata de leite para o lanche vespertino. Quando a noite chegava o quarenta já tava na panela, mas o fogo que fumaçava ainda estava preparando o café do meu pai pra ele levar pra o minero no outro dia, era um pão de milho feito numa cuscuzeira de barro todo enrolado num pano.
Mas minhas irmãs e eu queríamos angu ou xerem, o quarenta era salgado e a gente não gostava. Minha mãe sempre boa; dizia amanhã eu faço baião de dois. E assim nossa vida seguia. Nos finais de semana as coisa mudavam, no café tinha bolacha, minha mãe tratava uma galinha para alguém e a gente comia um cozinhado das tripas. A noite tinha cuscuz com coalhada, às vezes minha mãe fazia uma cabeça de galo pra meu pai quando chegava bêbado, e assim seguia nosso rumo. As coisas mudavam mesmo no inverno com a fartura de milho e feijão, nesse tempo a briga era para rapar o caldeirão da canjica, a pamonha dava um bucho inchado danado, sempre comiamos quente, nem esperávamos esfriar. Era um bom tempo, tempo de mugunzá, de feijão verde com maxixe e quiabo com panelada. Essa foi a minha vida nutricional até papai ir embora, depois disso nada de ximbel, de munguzá, de feijão fazendo macaco, nem mesmo o quarenta ficou.
LINOSAPO
2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário